Gílson Chagas, letra e música

Gílson Chagas, letra e música

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<p>Acabo de ler &ldquo;M&uacute;sica para pensar&rdquo;, o novo livro de Gilson Chagas. Com esse autor, venho mantendo contato desde sua estreia, um livro de poemas. Achei na sua poesia muito mais a veia de compositor que a de simples poeta, o que n&atilde;o &eacute; pouco, e merece louvor. Gostei imenso do seu primeiro romance, o &ldquo;A ferro e fogo&rdquo;, onde o autor se busca no est&aacute;gio da vida de adolescente e estudante, cr&ocirc;nica meio desbragada, &aacute;gil e condizente com o seu desenvolvimento humano e social. Sobre ele escrevi dois artigos. <br /> <br /> Gilson Chagas, agora surpreende em muitos pontos. Em &ldquo;M&uacute;sica para pensar&rdquo;, ressalvados os arroubos de discursos atribu&iacute;dos a dois ou tr&ecirc;s personagens (frases e voc&aacute;bulos da l&iacute;ngua comum reinventados, no que se aproxima um tanto de Fontes Ibiapina), o autor construiu uma hist&oacute;ria com personagens similarmente reais, tipos pitorescos, num estilo sard&ocirc;nico e bem humorado, o que facilita em muito a aceita&ccedil;&atilde;o do grande p&uacute;blico. Essas meias-vozes de personagens aturdidos com a crueza do mundo, e mesmo assim sonhadores, n&atilde;o deixam de ser tamb&eacute;m a voz do romancista, que, diferentemente dos demais, consegue ter v&aacute;rios alteregos, um tento de criatividade e beleza a ressaltar na sua cria&ccedil;&atilde;o. Eis a estrutura estil&iacute;stica de &ldquo;M&uacute;sica para pensar&rdquo;, em poucas palavras, na minha percep&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Uns poucos te&oacute;ricos poder&atilde;o torcer a cara ante tal afirma&ccedil;&atilde;o &ndash; isto de o autor estar na pele da maioria de seus personagens, quando a obra pode ser classificada de neorealista. Mas &eacute; at&eacute; bom que assim seja. O romance moderno &eacute; todo centrado no autor, queiram ou n&atilde;o os te&oacute;ricos passadistas. &Eacute; sempre psicol&oacute;gico. N&atilde;o h&aacute; mais realismo como antigamente. As obras modernas e p&oacute;s-modernas parecem mais aut&ecirc;nticas do que as do classicismo. Ali&aacute;s, os grandes romances terminam sendo mesmo os autobiogr&aacute;ficos ou memorial&iacute;sticos. Como s&atilde;o o D. Quixote, Madame Bovary, os de Le&oacute;n Tolstoi (com sua nova filosofia) e os de Dostoievski (com seu existencialismo), em cada um o forte acento de pessoalidade. N&atilde;o se queira colocar Gilson Chagas na fam&iacute;lia de Machado de Assis e Graciliano Ramos. Mais bem compreens&iacute;vel coloc&aacute;-lo entre Jorge Amado (em algumas de suas obras), Gabriel Garc&iacute;a Marques e Saramago. <br /> <br /> Quanto ao enredo, o leitor que descubra: um Joca cheio de sonhos e depois desiludido (um vencedor-vencido); um Z&eacute; Lu&iacute;s pleno de comprometimentos com o poder, coisa que come&ccedil;a explorar logo no seu tempo de estudante; uma Medinha, guerrilheira fracassada na sua inclina&ccedil;&atilde;o para dirigir e ficar do lado errado (como diria o direitista Boa Sorte); um Josaf&aacute;, o eng&ordm; do Dept&ordm; de Estradas etc. N&atilde;o &eacute; que a hist&oacute;ria de &ldquo;M&uacute;sica para pensar&rdquo; comova. Comove pelo lado errado: a s&aacute;tira. Mas comover n&atilde;o foi o objetivo do autor, conforme expressa bem o t&iacute;tulo. Mas certamente far&aacute; muito leitor dar voltas ao seu modo de ser, pensar e agir, ora sendo vencido pela realidade &ndash; ou o que assim se apresenta como tal &ndash; ora, continuando a sonhar mesmo depois de tantas derrotas como a do Joca, um cantor latino americano cujo fracasso &eacute; o seu pr&oacute;prio sucesso. <br /> Com o prop&oacute;sito de terminar pelo assunto m&uacute;sica, visto que &ldquo;M&uacute;sica para pensar&rdquo;, &eacute; representativo da popularidade que nossas can&ccedil;&otilde;es alcan&ccedil;aram &ndash; parafraseio Belchior, nos seguintes versos: &ldquo;N&atilde;o me pe&ccedil;a que eu lhe fa&ccedil;a uma can&ccedil;&atilde;o como se deve (...) Sou apenas um rapaz latino-americano&rdquo;. Gilson Chagas, voc&ecirc; com o seu Joca e eu com o meu D. Xicote, somos os jocas e d. xicotes da vida, como tantos outros. Pois toda obra de arte verdadeira &eacute; uma catarse. E essa catarse que estamos sempre a realizar torna o mundo mais humano. Portanto, parab&eacute;ns pela sua vit&oacute;ria. E parab&eacute;ns &agrave; Editora Saramandaia, que promete ser a editora deste mil&ecirc;nio, com obras t&atilde;o bem realizadas quanto a sua. <br /> <br /> _____________ <br /> *Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, membro da Academia Piauiense de Letras - Teresina, PI, Brasil, e da IWA - International Writers and Artists Association, Toledo, OH, Estados Unidos.</p>
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