A brincadeira mais séria

A brincadeira mais séria

/

<p><font size="2"><em>Francisco Miguel de Moura*</em><br /> <br /> N&atilde;o tenho vergonha de dizer que fa&ccedil;o versos nem como os fa&ccedil;o. Todo dia a minha antena funciona: emo&ccedil;&atilde;o diante da vida ou dos pr&oacute;prios pensamentos, a cota de anos, de dias, de sacrif&iacute;cios, de prazeres e virtudes, enganos e erros. E ainda topamos com as perplexidades diante das varia&ccedil;&otilde;es do Imposto de Renda e da situa&ccedil;&atilde;o financeira, ou da pol&iacute;tica &ndash; esta porcaria que nos procura diariamente, desde o nosso pr&oacute;prio emprego at&eacute; o nosso sal&aacute;rio e o dos filhos. E estes continuam sempre nossos filhos pelo amor e pela pior situa&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mico-financeira do que n&oacute;s, uma prova de que o mundo vem piorando e, com ele, nosso Brasil. &Eacute; aqui que se faz cr&iacute;tica em poesia. Entram em a&ccedil;&atilde;o as par&oacute;dias e os epigramas, a s&aacute;tira a permear as imagens de nossa linguagem, cuja forma pode ser soneto, trova, haicai, balada, poema livre etc. &Eacute; preciso ter cuidado para que o dia-a-dia n&atilde;o se banalize em nossa letra po&eacute;tica. A linguagem da poesia &eacute; diferente. Se voc&ecirc; quer escrever um artigo &eacute; s&oacute; usar as palavras e frases comuns. Se quer fazer uma confiss&atilde;o, da mesma forma. N&atilde;o importa que aquele seja no tom sarc&aacute;stico e este no sentimental, individual.</font></p> <p><font size="2"><br /> N&atilde;o posso ficar com a frescura de dizer que sou um bom poeta, daqueles que o verso/poema/canto salta da cuca e vai direto para a pauta do papel pela esferogr&aacute;fica como crian&ccedil;a que nasce de parto normal e de m&atilde;e sadia. Tenho minhas pequenas e grandes dificuldades. Elejo temas que continua a glosar em todas as poesias de uma fase. Come&ccedil;o poema que nunca termino, por medo ou incapacidade, n&atilde;o importa. Acompanho os passos de meus poemas, monto-os e os desmonto ao belprazer de minha brincadeira intelectual com as palavras. &Eacute; assim que se arma uma brincadeira.&nbsp; &Eacute; assim que se faz poesia tamb&eacute;m: brincando. Certa vez brinquei de trabalhar um poema e consegui cerca de 10 diferentes formas, evocando o mesmo tema. N&atilde;o faz muito tempo, foi quando eu e o poeta Hardi Filho constru&iacute;amos o nosso livro &ldquo;Tempo Contra Tempo&rdquo;, editado em parceria, que continua fazendo sucesso de cr&iacute;tica e de leitores.&nbsp; Ontem o fato se repetiu, agora com uma poesia que nem sei se vou publicar. Goza de mim, leitor? Pois &eacute;. E n&atilde;o fa&ccedil;o baz&oacute;fia. Se for riqueza, &eacute; apenas de autocr&iacute;tica. Talvez defesa. N&atilde;o tenho grande mem&oacute;ria, supro-a com a fertilidade da imagina&ccedil;&atilde;o, com o trabalho, com o suor do rosto. Anota&ccedil;&otilde;es mais anota&ccedil;&otilde;es. Depois, o poema l&iacute;rico sai das comportas do &ldquo;eu&rdquo;, como sabemos, e a forma &eacute; que deve universaliz&aacute;-lo por met&aacute;foras surpreendentes, n&atilde;o aquelas j&aacute; velhas e surradas, catacr&eacute;ticas e cheias de cataratas que obstruem a vis&atilde;o do leitor.</font></p> <p><font size="2">Sofrer? O poeta &eacute; sofrimento e alegria, quase parodiando Fernando Pessoa, em seu &ldquo;o poeta &eacute; um fingidor&rdquo;. Mas compreendamos.&nbsp; A intelig&ecirc;ncia pode ser a comum, a que tenho. Depois que o homem inventou a Enciclop&eacute;dia, o Dicion&aacute;rio, o Computador, sem falar no disco, na grava&ccedil;&atilde;o, no papel em branco, na tinta e na caneta &ndash; o cora&ccedil;&atilde;o e a cabe&ccedil;a devem ficar dispon&iacute;veis para o amor e o balan&ccedil;o (da dan&ccedil;a, da rede ou da m&atilde;o quando escreve), para que a inspira&ccedil;&atilde;o corra livre e desimpedida durante o dia. Eu caminho, fora e dentro de casa, e caminhando me encho de &ldquo;inspira&ccedil;&atilde;o&rdquo;.&nbsp; A noite &eacute; insond&aacute;vel para a poesia, como a morte. Se uma coisa puxa a outra, digo que meu trabalho &ldquo;artesanal&rdquo; segue noite adentro, em busca da melhor forma, do melhor som, da melhor cor &ndash; o poema tem cor, podem crer. &Eacute; a imagem em met&aacute;fora ou meton&iacute;mia, em compara&ccedil;&atilde;o ou por oposi&ccedil;&atilde;o, correndo para fixar-se em letra de forma, em companhia com o senhor j&aacute; insond&aacute;vel conte&uacute;do, a mudar de roupa e a querer parecer outra coisa que n&atilde;o ele &ndash; sendo ele mesmo. Contexto vivo e palpitante, e nele, a poesia necess&aacute;ria como ar que se respira.<br /> <br /> ______________<br /> <em>*&nbsp; Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da APL - Academia Piauiense de Letras, Teresina, PI, Brasil,&nbsp; e da IWA - International Writers and Artists Association,Toledo, OH, Estados Unidos</em></font></p>
Compartilhe:

Faça seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos marcados são obrigatórios *