O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quarta-feira, dia 6, que as imagens da crise humanitária e da ação militar de Israel na Faixa de Gaza corroboram sua tese de que o governo israelense promove um genocídio, na guerra declarada contra o grupo terrorista Hamas.
"Se alguém tinha dúvida, as últimas imagens do que aconteceu em Gaza mostram para que todos nós seres humanos não percamos o humanismo que ainda tem dentro de nós. Não sejamos algoritmos, sejamos seres humanos de verdade e percebamos que o que está acontecendo lá é um verdadeiro genocídio", afirmou Lula, em provável referência às imagens aéreas de uma multidão de palestinos que cercou um comboio de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. As forças israelenses foram acusadas de abrir foco contra a multidão desesperada e mais de 100 pessoas morreram. Tel-Aviv, por outro lado, admite disparos, mas atribui o número de mortos à confusão.
A caracterização jurídica do crime de genocídio em Gaza levanta diferentes versões e está em apuração na Corte Internacional de Justiça. Israel nega, e reagiu a Lula antes, assim como a comunidade judaica no Brasil. O governo israelense afirma que nunca teve a intenção de exterminar o povo palestino e que toma precauções para minimizar os danos para população civil.
Lula voltou a cobrar intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas para paralisar o confronto imediatamente e evitar a morte de milhares de mulheres e crianças - "vítimas de uma violência brutal" na Faixa de Gaza. Ele pediu que a entrada de ajuda humanitária em maior volume - itens têm sido barrados por Israel, mesmo com aliados como os Estados Unidos admitindo que a quantidade é insuficiente.
Segundo ele, o conselho já não representa "quase nada", porque "todos os membros se metem em guerras sem levar em conta nenhuma instância". Lula disse que a "paralisia do conselho é prova cabal da necessidade urgente de reforma".
"Não é possível continuar essa matança sem que o Conselho de Segurança da ONU pare essa guerra e permita que chegue alimento, que chegue remédio. Tem mais de 30 toneladas de alimentos estocados que não consegue chegar. Se isso não é um ato de desumanidade eu não sei mais o que é. A brutalidade é de tal envergadura que acho que todas as pessoas que assistiram às imagens devem ter ficado horrorizadas porque poucas vezes se viu aquilo."
Lula voltou a dizer que o Brasil condenou o ataque terrorista do Hamas, em 7 de outubro, que deixou 1,2 mil mortos num massacre sem distinção de civis e militares, mas que "não pode deixar de condenar a atuação do governo de Israel".
"É uma coisa brutal. O Conselho de Segurança da ONU tem obrigação de tomar uma atitude, abrir corredor humanitário e permitir que chegue alimento, água, remédio e que pessoas sejam tratadas. Crianças com 6 anos e 7 anos estão pedindo para morrer porque não querem ser operadas, ter a perna amputada sem anestesia", disse o presidente. "Quando uma criança chega a pedir para morrer do que esse sofrimento, acho que deve mexer com o coração das pessoas que têm o poder de decisão nas Nações Unidas."
Ele criticou o governo israelense ao afirmar ainda que o "direito de defesa transformado em direito de vingança constitui, na prática, punição coletiva que mata indiscriminadamente mulheres e crianças".
Israel e Brasil vivem uma crise diplomática deflagrada por uma analogia feita pelo presidente brasileiro, durante viagem à Etiópia, entre a ação das Forças de Defesa de Israel em Gaza e o extermínio de 6 milhões de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler. Lula foi declarado persona non grata, mas se recusou a atender as cobranças por desculpas do governo israelense.
Em janeiro, o Brasil anunciou que endossava politicamente uma denúncia contra Israel, apresentada pela África do Sul perante a Corte Internacional de Justiça. O governo Binyamin Netanyahu é acusado de promover um genocídio. Em decisão liminar, os juízes determinaram que Israel deveria cumprir uma série de medidas para evitar ações que são previstas na convenção de prevenção ao genocídio. Lula já disse que o governo israelense ignora a determinação.
Conforme dados usados pelas Nações Unidas, o confronto em Gaza deixou 30.717 mortos, ao longo de 151 dias de guerra. Os dados são informados pelo Ministério da Saúde controlado pelo Hamas e carecem de verificação independente, embora sejam difundidos internacionalmente. O grupo terrorista mantém em cativeiro cerca de 130 reféns israelenses capturados em 7 de outubro - sendo que ao menos 30 deles podem estar mortos, admite Tel-Aviv.
O petista afirmou que os líderes políticos não podem se omitir e que é necessário avançar na criação do Estado palestino. O presidente falou ao lado do premiê da Espanha, Pedro Sánchez, que realizou visita oficial a Brasília.
Questionado se considerava que Israel promovia genocídio do povo palestino, Sánchez esquivou-se de responder. Ele afirmou que a Espanha apoiou desde o primeiro momento o direito de defesa de Israel do ataque do grupo terrorista Hamas - ato condenado pelo Palácio La Moncloa - e em favor da libertação dos reféns, mas com o dever de respeitar o direito internacional e humanitário.
"Depois de 30 mil mortes e de uma devastação que está deixando a Faixa de Gaza numa situação que vai exigir décadas para reconstrução e para retomar níveis de crescimento econômico e de bem estar anteriores ao 7 de outubro, níveis que já eram paupérrimos... Depois de 30 mil mortes, temos dúvidas mais do que razoáveis de que Israel esteja cumprindo o direito internacional humanitário", afirmou Sánchez.
Segundo o premiê espanhol, o governo sugeriu um caminho para a solução do conflito, que passa por uma "conferência internacional de paz", pelo "fim urgente da violência" na Faixa de Gaza, por uma interrupção de hostilidades e pelo reconhecimento da comunidade internacional de dois Estados. "Que o mundo árabe reconheça Israel e que o mundo ocidental reconheça a realidade existente que é o Estado palestino", defendeu o espanhol, sugerindo que poderá trabalhar em conjunto com o governo brasileiro.
O premiê disse que o governo espanhol considera importante a coerência na abordagem dos dois conflitos em curso, um paralelo com a guerra na Ucrânia. "Defendemos que a Rússia tem que sair de um país livre e soberano que teve sua integridade territorial violentada e portanto o direito internacional foi violentado", registrou.
Fonte: Estadão Conteúdo