Direitos Políticos e (Im)probidade Administrativa
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<div>Assistimos – com olhos atentos ao futuro - às discussões político-administrativo-judiciais inseridas no questionamento suscitado pela Associação dos Magistrados Brasileiros, acerca das condições de elegibilidade dos candidatos que respondem a processos de improbidade administrativa, donde restou pontuado, pela mais elevada Corte de Justiça do país, a supremacia da Constituição Federal e do estado democrático de direito, no seu aspecto presunçoso de inocência. </div>
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<div>A tendência polêmica do tema e da circunstância legal advém do anseio popular de maior rigor nas condições de elegibilidade dos candidatos, de certo não apenas colocando nas ruas o debate, mas, sobretudo e principalmente, mostrando a vontade do cidadão em trazer modificações às leis.</div>
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<div>Ponderável, com a licença dos pensadores contrários, o acerto do Supremo Tribunal Federal em dar vigência às leis que estão postas no sistema legalista brasileiro, respeitando a regra de que apenas após o trânsito em julgado, ou seja, o julgamento em última instância judicial possa impedir o candidato a pleitear cargos públicos.</div>
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<div>Legalmente, o § 9º, do artigo 14, da Constituição, determina seja considerada a vida pregressa do candidato. Ao fazê-lo, refere-se ao que aconteceu antes do ato que a ele se imputa, refere-se ao quanto possa contribuir para apreciação do seu caráter, tudo quanto possa ser expressivo da sua índole moral, psíquica e social.</div>
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<div>Ao dizer que a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade a fim de proteger a moralidade para o exercício do mandato, o preceito constitucional impede que a moralidade para o exercício do mandato venha a ser ponderada a partir da consideração de algum ato episódico, isolado ou mesmo acidental envolvendo o candidato.</div>
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<div>Assim é que a lei não autoriza a criação de caso de inelegibilidade ancorada na simples avaliação da vida pregressa do candidato, mas sim que a moralidade do candidato para o exercício do mandato seja ponderada, em cada caso, desde a consideração da sua vida pública, no aspecto amplo que ela compõe.</div>
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<div>A proteção da moralidade do candidato para o exercício do mandato não prescinde da ponderação desse todo, isso é que afirma, em termos de dever ser, a Constituição.</div>
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<div>É certo que temos o direito moderno, permanentemente, em crise. Mas o que se passa agora é ainda mais grave porque - ao mesmo tempo em que se pretende substituir as suas regras e princípios por outras, descoladas da eficiência ou de alguma distinta vantagem econômica - a sociedade como que já não lhe dá mais crédito e inúmeras vezes se precipita na busca de uma razão de conteúdo, colocando-nos sob o risco de substituição da racionalidade formal do direito - com sacrifício da legalidade e do procedimento legal - por uma racionalidade construída a partir da ética – qual ética -, à margem do direito.</div>
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<div>A democracia tem seu preço e este o é o preço para a avaliação dos critérios de (in)elegibilidade aos cargos públicos.</div>
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<div>A sociedade, insatisfeita com a legalidade e o procedimento legal, passa a nutrir anseios precipitados de justiça, ignora de que ela não existe em si e de que é incabível discutirmos a "justiça" ou a "injustiça" da norma produzida ou da decisão tomada pelo juiz, visto que nem uma, nem outra "justiça" ou "injustiça", existem em si; os sentidos, de uma e outra, são assumidos exclusivamente quando se as relacione à segurança - segurança social -, tal como concebida, em determinado momento histórico vivido por determinada sociedade.</div>
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<div>Por isso mesmo é que, em rigor, a teoria do direito não é uma teoria da justiça, porém uma teoria da prestação jurisdicional e do discurso jurídico.</div>
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<div>A crise das normas é inerente à sociedade que as cria, que as estabelece. A vontade da lei tem como seu marco inicial a vontade do povo.</div>
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<div>No entanto, possível e desejável, sim, que o direito, em sua positividade, seja interpretado criticamente, a partir de conteúdos éticos e morais nascidos da luta social e política.</div>
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<div>Esta luta se dá, aliás, desde o advento da modernidade, com o propósito de realizar, para o maior número, a inspiração francesa das promessas de liberdade, da igualdade e fraternidade.</div>
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<div>Outra situação seria, para este momento da estrutura legalista brasileira, a pretensão de substituir-se o direito pela moralidade, o que, na prática, significa derrogar as instituições do Estado de direito em proveito da vontade flutuante.</div>
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<div>Não podemos, contudo, tomar de modo a colocar em risco a substância do sistema de direito. O fato de o princípio da moralidade ter sido consagrado no art. 37, da Constituição, não significa abertura do sistema jurídico para introdução, nele, de preceitos morais.</div>
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<div>A suposição de que o Poder Judiciário possa, na ausência de lei complementar, estabelecer critérios de avaliação da vida pregressa de candidatos para o fim de definir situações de inelegibilidade importaria a substituição da presunção de não culpabilidade consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", por uma presunção de culpabilidade não contemplada na Constituição, donde deveria, hoje, estar escrito que “qualquer pessoa poderá ser considerada culpada independentemente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.</div>
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<div>O conflito dos valores entre o estado democrático de direito e a vontade do povo em estabelecer critérios mais rígidos de avaliação dos atos de (im)probidade do candidato – como pressuposto de sua candidatura – não nos deixou a marca da supremacia da lei, mas, sim, o senso explícito da realidade de que o povo, o cidadão, deseja coibir os atos de improbidade administrativa, e que a improbidade, dantes relegada a uma circunstância judicial ou administrativa, esta última dentro dos Tribunais de Contas do Estado ou da União, agora é de observação e de vontade popular.</div>
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<div>Ao candidato e ao administrador a pauta de hoje e de amanhã - de que os direitos políticos, enquanto condições de elegibilidade, e os atos de (im)probidade administrativa caminharão juntos -, a nós revelando o senso crítico, atual e futuro da clara perspectiva de que a lei advirá, doravante, da vontade do povo, assim desenhando, na vida pública brasileira, a profissionalização e a atividade de assessoramento da gestão pública objetivando que a realização dos seus atos esteja revestida dos critérios, formalidades e conteúdos legais.</div>
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<div><strong>*Apoena Almeida Machado</strong>, Advogado, Professor, Doutorando em Direito. Sócio Sênior da Banca Almeida Machado – Advogados, com matriz em Teresina e filiais em Brasília, São Luís e Roraima. Comissão de Legislação do Conselho Federal da OAB. Comissão do Meio Ambiente da OAB/PI, Conselho Editorial da Revista Mundo Jurídico. Articulista em Revistas e Jornais de Circulação Nacional.</div>