A incógnita das cidades que fascinam e transforma as pessoas

A incógnita das cidades que fascinam e transforma as pessoas

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<div> <p>H&aacute; d&eacute;cadas que visito, a passeio, principalmente nos finais de ano, o munic&iacute;pio de Francisco Santos, cidade do interior do Estado do Piau&iacute;, e sempre observei uma verdadeira transforma&ccedil;&atilde;o comportamental que sofrem boa parte dos seus visitantes, talvez uma porcentagem de 80% (oitenta por cento) deste universo em tr&acirc;nsito por aquela cidade. Acredito que outras cidades interioranas tamb&eacute;m passam por essas experi&ecirc;ncias.</p> <p>Muita gente percebe essas transforma&ccedil;&otilde;es, embora poucos se interessem em analisar as mudan&ccedil;as de h&aacute;bitos destes visitantes quando chegam ao torr&atilde;o franciscossantense. Ponho-me a imaginar em qual &aacute;rea do comportamento humano poder&iacute;amos inserir este estudo. Seria no campo social, econ&ocirc;mico, pol&iacute;tico ou at&eacute; mesmo examinando a arrog&acirc;ncia inerente a boa parte do ser humano? &Eacute; poss&iacute;vel que a psicologia explique este fen&ocirc;meno.&nbsp;</p> </div> <div>J&aacute; no meio do ano, nota-se a prepara&ccedil;&atilde;o antecipada dos futuros visitantes de Francisco Santos, ainda em sua cidade de origem, no que concerne &agrave; apresenta&ccedil;&atilde;o pessoal, o traje que ir&aacute; usar, e se poss&iacute;vel sem repeti&ccedil;&otilde;es, o autom&oacute;vel que dever&aacute; dirigir naqueles dias, as pessoas que lhes acompanhar&atilde;o, os locais onde ir&aacute; permanecer, e, principalmente, a altera&ccedil;&atilde;o do comportamento que ir&aacute; mostrar naquele per&iacute;odo de f&eacute;rias, longe do seu habitat. &Eacute; praxe se excederem nas bebidas que ingerem descontroladamente; na alimenta&ccedil;&atilde;o exagerada de carnes, massas e alimentos gordurosos; na demonstra&ccedil;&atilde;o de riqueza exposta em suas conversas, j&oacute;ias, roupas e atos pomposos, exibindo-se como grande consumidor naqueles dias, o que normalmente n&atilde;o o faz em sua cidade de origem.</div> <div>&nbsp;&nbsp;</div> <div>Os jovens se soltam como se antes estivessem presos em gaiolas, n&atilde;o dando mais satisfa&ccedil;&atilde;o aos pais. Trocam as noites pelos dias. Tudo l&aacute; come&ccedil;a mais tarde. A vida desenfreada dos adolescentes deve ser seguida pelos visitantes, sen&atilde;o as tribos locais n&atilde;o os aceitam. A press&atilde;o &eacute; muito grande e os temores de repres&aacute;lias s&atilde;o vis&iacute;veis. N&atilde;o existe limite de idade nem hor&aacute;rio para os adolescentes frequentarem clubes, boates e casas noturnas de reputa&ccedil;&atilde;o duvidosa.</div> <div>&nbsp;&nbsp;</div> <div>Como a cidade &eacute; pequena e o tempo dispon&iacute;vel por l&aacute; seja breve, esta porcentagem de conterr&acirc;neos se esmeram nas suas atitudes, em especial no tocante a uma exibi&ccedil;&atilde;o digna de notoriedade, ali&aacute;s, muitas vezes de censura aos seus atos cometidos. Geralmente o tiro sai pela culatra. Noutras palavras, sua conduta ou apar&ecirc;ncia, demasiadamente artificial &eacute; notada por boa parte das pessoas observadoras, residentes ou n&atilde;o na cidade, servindo-se de um engodo na tentativa de mostrar aquilo que n&atilde;o o s&atilde;o. Para os tolos, aqueles que aplaudem, admiram ou aceitam suas fa&ccedil;anhas, sem um ju&iacute;zo de valor formado, claro que o objetivo foi alcan&ccedil;ado. Aqueles mais experientes sabem que esta demonstra&ccedil;&atilde;o de poder &eacute; ilus&oacute;ria, e na vida real alguns exibicionistas n&atilde;o passam de oper&aacute;rios comuns que buscam seu ganha p&atilde;o dando um duro danado, em todo o decorrer do ano findo, sem gozar de nenhum conforto ou privil&eacute;gio onde residem ou trabalham. Esses oper&aacute;rios se transformam em senhor de engenho. Podem quase tudo. No seu retorno ao local de resid&ecirc;ncia e trabalho as presta&ccedil;&otilde;es de seus carros de luxo e roupas de grife est&atilde;o na imin&ecirc;ncia de inadimpl&ecirc;ncia. Sua conta banc&aacute;ria muitas vezes est&aacute; comprometida e sem provis&atilde;o de fundos. Os tolos n&atilde;o t&ecirc;m alcance desta realidade. Repito, agora, que esses casos s&atilde;o minoria e s&atilde;o subst&acirc;ncias para alimentar esta minha cr&ocirc;nica.</div> <div>&nbsp;</div> <div>&Eacute; claro que esta inexplic&aacute;vel ostenta&ccedil;&atilde;o n&atilde;o &eacute; praticada por todos. Mesmo porque seria uma guerra na cidade e o seu desfecho, certamente tr&aacute;gico. Sabe-se que neste per&iacute;odo de f&eacute;rias as institui&ccedil;&otilde;es que deveriam administrar corretamente a cidade e submeter seus habitantes &agrave;s mais elementares regras de legalidade e boa conviv&ecirc;ncia, geralmente est&atilde;o submissas aos pol&iacute;ticos e poderosos da regi&atilde;o e em estado de letargia. Alguns visitantes, achando-se poderosos e sem regras a serem cumpridas, praticam irregularidades tanto no tr&acirc;nsito como na exibi&ccedil;&atilde;o de sons em alt&iacute;ssima sonoridade, que afasta boa parte da popula&ccedil;&atilde;o do local onde se exp&otilde;e os potent&iacute;ssimos altos falantes dos seus ve&iacute;culos. Agindo assim, extrapolam os seus direitos, prejudicando o mais elementar princ&iacute;pio constitucional de ir-e-vir do cidad&atilde;o, que muitas vezes deixa de permanecer naquele ambiente onde n&atilde;o se pode nem mesmo falar ao ouvido de um amigo. &Eacute; &oacute;bvio que numa cidade civilizada o tr&acirc;nsito de ve&iacute;culo, ali boa parte de motocicletas irregulares e sem documenta&ccedil;&atilde;o, dirigidas por menores e sem nenhuma prote&ccedil;&atilde;o pessoal ou contra terceiros, exigida pelo C&oacute;digo de Tr&acirc;nsito Brasileiro, e a not&oacute;ria ilegalidade na apresenta&ccedil;&atilde;o de carros com som em n&iacute;vel bem acima dos padr&otilde;es de decib&eacute;is regulamentares, certamente seriam coibidos pelo Poder P&uacute;blico em outras cidades.&nbsp;&nbsp;</div> <div> <p>Infelizmente, em Francisco Santos, mormente no final de ano, essas regras n&atilde;o s&atilde;o observadas e seus infratores nem ao menos s&atilde;o censurados. Sendo assim, o forasteiro encontra ambiente prop&iacute;cio para o cometimento destas irregularidades. Parar no meio da rua e ficar conversando com conhecidos, interrompendo a passagem de autom&oacute;veis e pedestres &eacute; coisa normal. Estacionar em locais proibidos, prejudicando a circula&ccedil;&atilde;o de outros ve&iacute;culos faz parte desta cultura. Desenvolver velocidades acima do razo&aacute;vel, incompat&iacute;veis com o local, tamb&eacute;m n&atilde;o traz nenhuma puni&ccedil;&atilde;o. &Eacute; vis&iacute;vel a coloca&ccedil;&atilde;o de barracas de alimentos, frutas e g&ecirc;neros aliment&iacute;cios e com&eacute;rcios informais no meio da rua, sem o m&iacute;nimo de higiene e acomoda&ccedil;&atilde;o adequada, carecendo de autoriza&ccedil;&atilde;o ou licen&ccedil;a. E assim por diante...&nbsp;&nbsp;</p> <p>&Eacute; fato que constatamos pontos positivos neste per&iacute;odo festivo de final de ano, proporcionado pelos emergentes em visita&ccedil;&atilde;o &agrave; nossa cidade. O com&eacute;rcio &eacute; mais aquinhoado com a renda deixada por esses visitantes, o dinheiro circula com muita desenvoltura, os produtos encalhados s&atilde;o vendidos, a qualidade dos bens de consumo melhora, tendo em vista a exig&ecirc;ncia dos <em><span>passeantes</span></em>, os comerciantes, apesar de atender sem a cortesia desejada, riam &agrave;-toa pelo lucro obtido. O consumismo e gastos s&atilde;o t&atilde;o grandes que muitas vezes a ag&ecirc;ncia banc&aacute;ria n&atilde;o disp&otilde;e de numer&aacute;rio suficiente para os correntistas. E o que dizer dos poucos sal&otilde;es de beleza da cidade? S&oacute; atendem com hora marcada. </p> </div> <div>&nbsp;</div> <div>Nunca se colocou em pr&aacute;tica, bem ao p&eacute; da letra a famosa lei da oferta e da procura. Os pre&ccedil;os sobem e os necessitados por m&atilde;o-de-obra ou servi&ccedil;os prim&aacute;rios penam &agrave; procura desses servi&ccedil;ais. &Eacute; neste per&iacute;odo que a aparente felicidade reina na cidade. At&eacute; mesmo os menos afortunados s&atilde;o lembrados com o recebimento de alguns trocados que servem como lenitivo para saciar o seu desejo et&iacute;lico. Outras quantias s&atilde;o utilizadas para os menos abastados adquirirem algum g&ecirc;nero aliment&iacute;cio. Nestes gestos generosos s&atilde;o notados alguns tra&ccedil;os da solidariedade e do socialismo do povo nordestino.</div> <div>&nbsp;</div> <div>&Eacute; uma pena que janeiro esteja chegando, as f&eacute;rias se foram e a realidade, doravante, seja outra: cidade vazia, ruas desertas, com&eacute;rcio parado e pessoas sem ter o que fazer. Alguns ocupam o tempo ocioso para fazer coment&aacute;rios sobre os acontecimentos ocorridos nessas cidades durante o fim de ano.</div> <div>&nbsp;</div> <div>Voltando ao tema central, o que leva esses conterr&acirc;neos residentes em diversos rinc&otilde;es brasileiros a sofrerem tamanha transforma&ccedil;&atilde;o? Coloco para reflex&atilde;o do leitor as seguintes indaga&ccedil;&otilde;es: Seria a falta de estrutura do indiv&iacute;duo que nascendo pobre adquiriu algum bem material em outras paragens e agora gostaria de mostrar o seu valor? Poderia ser a altera&ccedil;&atilde;o do comportamento de algu&eacute;m que, sem forma&ccedil;&atilde;o intelectual, mas dispondo de alguma posse queria mostrar poder e arrog&acirc;ncia nos seus atos? Quem sabe a maneira de um indiv&iacute;duo t&iacute;mido demonstrar altivez na presen&ccedil;a de seus conterr&acirc;neos e em sua cidade de origem? Ou ser&aacute; um meio de ostenta&ccedil;&atilde;o somente para se destacar entre o grupo? Qual o poder que esta cidade tem em fascinar e transformar as pessoas? Ou ser&atilde;o contempladas todas as coloca&ccedil;&otilde;es juntas?</div> <div>&nbsp;</div> <div>Este assunto, no que tange &agrave;s mudan&ccedil;as comportamentais vivenciadas por esta comunidade, merece um estudo mais aprofundado, principalmente no campo da sociologia, da psicologia, da moral e da &eacute;tica, n&atilde;o acham?</div> <div>&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div>&nbsp;</div> <div><strong><em>*Jo&atilde;o Erism&aacute; de Moura</em></strong><em> &eacute; advogado, pedagogo, escritor e Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da Uni&atilde;o, aposentado, residente em Bras&iacute;lia desde 13.07.1962.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;</em></div> <div>&nbsp;</div>
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