Por que alguém quer ser prefeito?
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<p>Colhi tal indagação, no ar, de uma fala final do advogado Jurandir Porto num programa da TVMN na última sexta, 28 de janeiro. Debatia ele a chamada “operação geleira”, da Polícia Federal, que colocou na cadeia sete prefeitos municipais, ex-prefeitos e outros agentes acusados de corrupção.</p>
<p>Perguntou mais: “... e os partidos políticos, o que dizem; por que não se os chama a também dar explicações ...”?</p>
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<p>Discutidas várias dimensões do fato, sobretudo a conduta dos ditos agentes, aspectos criminais, papel da polícia e de outros órgãos de controle, Porto, com sábia coragem, clamava a atenção da sociedade para uma questão central, não debatida naquele momento, que diz respeito ao que chamou de “sistema”.</p>
<p>Ouso aventar uma resposta: alguém quer ser prefeito para fazer negócios privados; ocupar um lugar que propicia certo enriquecer à custa do bem público. Há exceções, não tenho dúvidas. Porém repito: exceções. E o sentido da generalização tem a ver com um contexto histórico no qual afluem uma estrutura social e sua dinâmica, algo articulado num sistema cujos fundamentos e bases angulares são parteiros de tais deformações de conduta.</p>
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<p>É muito conhecida na formação brasileira a força daquilo que Faoro distinguiu como patrimonialismo, isto é, a apropriação privada, pelo agente, do bem e do espaço públicos. Agente que pode ser também um grupo de interesse. No limite, a negação de tudo o que pode significar a República e a conduta republicana.</p>
<p>De baixo até lá muito em cima, as condutas de tais agentes acabam vergastadas por essa força antirrepublicana, como que atávica no comportamento do nosso agente público, eleitoralmente selecionado, ou não.</p>
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<div>Utopias? Idealismo? Democracia? Ética? A força lúdico-simbólica de liderar o coletivo na realização de um belo destino comunitário? Nada disso embasa e move alguém na vontade de ser prefeito. E desgrama maior: nada disso é mais associado aos que se convencionou chamar de políticos.</div>
<div>Essa espécie de condicionalidade patrimonialista no dna do Brasil faz capengar e corromper a ética do bem comum, matéria essencial da idealização democrática. Todavia, é preciso que se diga que nem sempre nossa condução política foi assim tão faltosa de qualidade e valor.</div>
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<p>Um chefe das municipalidades de ontem, preso por roubo, tido por ladrão por mamandos e caducandos? E saindo da cadeia, se rindo, chamando o povo a comemorar a soltura, sem acreditar em Polícia, juiz e quetais? Impensável.</p>
<p>Digo que é estruturalmente deformado pela corrupção o sistema a que se refere Jurandir Porto. Com efeito –e o que me parece gravame que o complica–, não parece fácil corrigi-lo pelo simples traquejar da burocracia e dos controles esses e aqueles, pois filhos, aquela e estes, de matriz ancestral doente.</p>
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<p>E os partidos? Estes têm sido, em geral, simulacros, subestruturas do sistema, e assim de pouco valor enquanto espécie necessária ao encaminhamento e elevação da ética republicana. </p>
<p>Na minha cidade de nascença conheci alguém, em idade avançada, que me surpreendia com convites para entreter conversas. Já eu adolescente e ginasiano, com muito gosto, ouvia dele apreciações sobre política, que, ensinava, era algo muito elevado e digno: coisa de “cidadão” (amava palavra). Tinha muito orgulho de dizer que fora prefeito de nossa cidade e deputado (ainda que em exercícios curtos) e queria por isso ser lembrado. Era advogado, segundo as unções provisionais do tempo. E se chamava Nelson Porto.</p>
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<div>(Pois meu dileto conterrâneo Jurandir, vendo sua pertinentíssima provocação final no ar –e que tomei par título desta nota–, lembrei-me de seu tio Nelson, e das lições de política e dignidade que me deu há 40 anos sobre o porquê quis ser prefeito (1935) de nossa Passagem Franca. E o choque da diferença, fez-me prostrar em preocupação ainda maior ante o deserto ético das atuais safras de prefeitos do Brasil).</div>
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