FALANDO FRANCAMENTE

FALANDO FRANCAMENTE

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<p><span style="font-size: 14pt"><strong>FALANDO FRANCAMENTE</strong></span></p> <div><span style="font-size: 14pt"><strong>&nbsp;</strong></span></div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt"><span style="font-size: 14pt">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </span><em>Francisco Miguel de Moura*</em></div> <div>&nbsp;</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Numa ocasi&atilde;o como esta, a tenta&ccedil;&atilde;o &eacute; falar de si pr&oacute;prio. Mas seria impertinente falar sobre mim, quando minha apresentadora, Prof&ordf; Teresinha Queiroz, j&aacute; disse tudo e de forma muito clara e generosa. Resta-me, portanto, agradecer, e falar sobre a criatura &ndash; minha obra &ndash; e n&atilde;o sobre o criador.&nbsp;Lembro sempre do que disse Conf&uacute;cio: &ndash; <em>&ldquo;N&atilde;o se deve a todo momento ficar falando de si, por dois motivos: &eacute; que, se falamos de bem, ningu&eacute;m vai acreditar, e se falamos de mal, todos acreditar&atilde;o&rdquo;.</em></div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Entrando no assunto que quero desenvolver, de imediato me vem &agrave; lembran&ccedil;a um certo dia dos anos 1980, morando em Salvador, quando entrei numa livraria e comecei a olhar os livros, atividade para mim muito prazerosa, mesmo que nada possa ler al&eacute;m do t&iacute;tulo, autor e orelhas, e mesmo que nada possa comprar daquela vez. E, por uma simples coincid&ecirc;ncia, li na lombada de uma pequena brochura, o seguinte t&iacute;tulo <strong>O Menino Perdido</strong>, de autor americano, j&aacute; falecido h&aacute; muito tempo.&nbsp;Comprei o comp&ecirc;ndio, li todos os contos e gostei, mas, por algum mecanismo obscuro da mente, n&atilde;o guardei nem o livro nem o nome do autor. Foi o meu espanto. Senti-me roubado, pois j&aacute; me fixara naquele t&iacute;tulo para escrever algo que fosse mem&oacute;ria da minha meninice.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Lembro-me tamb&eacute;m de outro dia, j&aacute; no come&ccedil;o dos anos 1990, em Lu&iacute;s Correia, depois de um banho na praia de Amarra&ccedil;&atilde;o. Sentindo j&aacute; o come&ccedil;o de uma intransigente crise de depress&atilde;o, comecei a reler peda&ccedil;os de contos, cr&ocirc;nicas, cap&iacute;tulos. Saudade e ang&uacute;stia. Vontade de fazer algo distinto do que j&aacute; tinha lido sobre a inf&acirc;ncia. Era isto que sentia. E come&ccedil;ava a refazer alguns bosquejos mi&uacute;dos, num caderninho escolar, e a partir dali ressurgia o nome de <strong>O Menino Perdido </strong>como t&iacute;tulo n&atilde;o definitivo.&nbsp;Come&ccedil;ada a escrita<strong>, </strong>vieram as indecis&otilde;es. N&atilde;o encontrara um novo t&iacute;tulo e isto me contrariava. Era imposs&iacute;vel abrigar minha mat&eacute;ria sob esse t&iacute;tulo e depois public&aacute;-la. Eu j&aacute; havia escrito uma cr&ocirc;nica com o t&iacute;tulo de <strong><em>Um Menino Perdido,</em></strong> que logo desejaria publicada num livro de cr&ocirc;nicas, o que de fato aconteceu em 1996.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Muitos questionamentos foram feitos mentalmente e permaneceram em ebuli&ccedil;&atilde;o na minha cabe&ccedil;a. Era muita a mat&eacute;ria a escrever, e n&atilde;o queria um livro grande, no fundo eu desejava um grande livro. Tamb&eacute;m nem pensar em fazer coisa parecida com O. G. Rego de Carvalho, em <strong>Ulisses entre o Amor e Morte. </strong>&nbsp;N&atilde;o tinha como. Eu sou realmente disc&iacute;pulo de O. G. Rego de Carvalho e muito me orgulho disto. Ele &eacute; um dos maiores amigos que fiz na minha vida, em Teresina, s&oacute; n&atilde;o maior do que o Hardi Filho, poeta dos melhores do Piau&iacute;, pessoa com quem primeiro me encontrei em Teresina e, juntamente com Herculano Moraes, fundamos o movimento liter&aacute;rio O CLIP &ndash; C&iacute;rculo Liter&aacute;rio Piauiense. Com O. G. Rego de Carvalho foi diferente: antes de encontrar-me com ele, como colega do Banco do Brasil, j&aacute; havia lido <strong>Ulisses entre o Amor e a Morte</strong>. Foi outro espanto na minha vida. Espanto que se repetiu em <strong>Somos Todos</strong> <strong>Inocentes</strong> e em <strong>Rio Subterr&acirc;neo.</strong>Que obras incompar&aacute;veis!</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Mas quantos escritores, que vieram antes dele e de mim, escreveram a inf&acirc;ncia (ou sobre a inf&acirc;ncia)? &nbsp;Lembro-me de alguns: Jos&eacute; Lins do Rego, com seu <strong>O Menino de Engenho</strong>; Graciliano Ramos com o seu livro <strong>Inf&acirc;ncia; </strong>Joaquim Nabuco, com o espetacular <strong>Minha Forma&ccedil;&atilde;o.</strong> Os cl&aacute;ssicos russos Dostoi&eacute;vski e Leon Tolst&oacute;i fizeram livros sobre sua inf&acirc;ncia e adolesc&ecirc;ncia, excelentes obras cujos nomes n&atilde;o me v&ecirc;m &agrave; mem&oacute;ria. Os cl&aacute;ssicos modernos mais &agrave; vista seriam <strong>O Pequeno Pr&iacute;ncipe</strong>, de Antoine de Exup&eacute;ry, e <strong>O Menino do Dedo Verde,</strong> de Maurice Druon. &nbsp;A enumera&ccedil;&atilde;o seria enorme e tomaria muito tempo. N&atilde;o falemos das historinhas da vida comum e das f&aacute;bulas antigas renovadas que tanto t&ecirc;m sido escritas e publicadas como meio de ganha-p&atilde;o de escritores desempregados e de editores sem imagina&ccedil;&atilde;o sen&atilde;o a do vil metal. Claro que o genial Monteiro Lobato n&atilde;o entraria nessa &uacute;ltima classifica&ccedil;&atilde;o, antes merece ser o primeiro da boa lista, com <strong>Mem&oacute;rias de Em&iacute;lia </strong>e <strong>Ca&ccedil;adas de Pedrinho</strong>, para referir apenas duas da sua numerosa produ&ccedil;&atilde;o.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">N&atilde;o, eu jamais escreveria uma hist&oacute;ria ou um conto com o fim &uacute;nico de ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro &eacute; bom, mas vender a consci&ecirc;ncia &eacute; horr&iacute;vel.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Passei mais de 20 anos a elaborar <strong>O</strong> <strong>Menino quase</strong> <strong>Perdido. </strong>Finalmente, sem matar completamente o nome primitivo, encontrara o novo t&iacute;tulo: com uma palavrinha apenas ganhei originalidade. Da&iacute; ent&atilde;o passaram a ser pensadas, com mais gosto, as formas de escrever e a escolha do conte&uacute;do de cada uma das suas partes. Ele, <strong>O Menino...</strong> n&atilde;o &eacute; um conto grande, n&atilde;o &eacute; somente feito de contos encadeados, n&atilde;o &eacute; de cr&ocirc;nicas, n&atilde;o &eacute; um romance. E &eacute; tudo isto. Ou quase tudo. A mat&eacute;ria eu j&aacute; possu&iacute;a at&eacute; demais, n&atilde;o que minha inf&acirc;ncia tenha sido t&atilde;o rica, mas foram minha inf&acirc;ncia, minha fam&iacute;lia, minha terra, minha vida que me inspiraram para escrever esta obra. Original na forma, dentro do poder de minha inventiva. Escolhendo como escrever e o que escrever. E o que publicar e o que deixar de publicar. Muitas p&aacute;ginas foram rasgadas. O livro &eacute; n&atilde;o somente real como pode ser fic&ccedil;&atilde;o, imagina&ccedil;&atilde;o de homem adulto sobre <strong><em>o que</em></strong> e <strong><em>como</em></strong> sentia o menino, naquele tempo. Um transporte enorme no tempo, no espa&ccedil;o e nas emo&ccedil;&otilde;es. Assim se casaram o distanciamento e a intimidade. Quase todos os personagens s&atilde;o parentes: pai, m&atilde;e, av&oacute;s, tios, irm&atilde;s, primos, amigos, amigas e namoradas &ndash; algumas inventadas.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Mas &eacute; preciso que diga: - este livro &eacute; da minha m&atilde;e, principalmente. Quem n&atilde;o gosta de m&atilde;e certamente n&atilde;o vai gostar dele. Assim como para Saramago a pessoa mais s&aacute;bia que ele conheceu, quando menino, foi o av&ocirc;, para mim, foi minha m&atilde;e, at&eacute; os 8 anos. Fui educado para emo&ccedil;&otilde;es duradouras e positivas. Da&iacute; por diante, juntar-se-ia&nbsp;a influ&ecirc;ncia de meu pai.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Com rela&ccedil;&atilde;o a sua composi&ccedil;&atilde;o, repito: - Foi todo escrito e reescrito muitas vezes. N&atilde;o digo que esteja perfeito. N&atilde;o h&aacute; perfei&ccedil;&atilde;o, na esp&eacute;cie humana nem sei se em outras. A perfei&ccedil;&atilde;o &eacute; apenas um ideal a perseguir. E &eacute; isto que os bons escritores fazem, por si, para si e pela humanidade.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Creio que estou sendo capaz de dizer pouco sobre a mat&eacute;ria de <strong>O Menino quase Perdido</strong>, mas o suficiente para saber-se que n&atilde;o se trata de biografia, muito menos de minha biografia. Minha biografia s&atilde;o meus livros, n&atilde;o sou cientista nem personagem da m&iacute;dia, n&atilde;o sou pol&iacute;tico para quem tudo o que faz precisa ser dito e mostrado, e mentido e enganado. Sou um homem simples e ao mesmo tempo vaidoso do que fa&ccedil;o, do que penso e do que recuso. Se em <strong>O Menino</strong><strong> quase Perdido</strong> isto for achado, ent&atilde;o o escritor, o personagem onisciente n&atilde;o p&ocirc;de ser totalmente isento de imprimir sua marca. Eis minha luta pela originalidade e pela diferen&ccedil;a em minha escrita, assim como sou diferente em pessoa, sabendo como o fil&oacute;sofo Schopenhauer, que <em>&ldquo;o estilo &eacute; a fisionomia do esp&iacute;rito&rdquo;</em> e n&atilde;o da cara.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Para confirmar minhas palavras, &eacute; pertinente que cite, mais uma vez Arthur Schopenhauer (1788 &ndash; 1860), fil&oacute;sofo d <strong><em>&ldquo;os anos selvagens da filosofia&rdquo;</em></strong>eautor de <strong><em>&ldquo;O Mundo como Vontade e Representa&ccedil;&atilde;o&rdquo;. </em></strong><em>Escreveu ele: 1&ordm;</em>) <em>&ldquo;Um livro nunca pode ser mais do que a impress&atilde;o dos pensamentos do autor&rdquo;; 2&ordm;) &ldquo;Para estabelecer uma avalia&ccedil;&atilde;o provis&oacute;ria sobre o valor da produ&ccedil;&atilde;o intelectual de um escritor n&atilde;o &eacute; necess&aacute;rio saber exatamente <strong>sobre o que</strong> ou <strong>o que</strong> ele pensou, pois para tanto seria necess&aacute;ria a leitura de todas as suas obras. A princ&iacute;pio basta saber como ele pensou&rdquo;.</em></div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Pensei &ldquo;<strong>O Menino quase Perdido</strong>&rdquo; como uma obra original sobre a inf&acirc;ncia, no estilo e na constru&ccedil;&atilde;o, quando qualquer menino &eacute; rei, ficando distante o autor onisciente, muito distante do que sentia e sente <strong><em>&ldquo;o menino&rdquo;, </em></strong>no &iacute;ntimo - ambos realmente tornados personagens.&nbsp;</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Auguro, pois, que <strong>O Menino...</strong> seja lido como verdade mista, real e ficcional, cole&ccedil;&atilde;o de contos, de cr&ocirc;nicas, ou mesmo romance, para os leitores mais liberais.&nbsp;Editorialmente &eacute; um <strong><em>memorial,</em></strong> assim ficou classificado e registrado. E que cada leitor encontre seu <strong><em>menino</em></strong> de forma diferente, da forma que o pr&oacute;prio leitor foi em crian&ccedil;a. Se assim acontecer estarei pago.</div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">Finalizando, repito com o vulgo que <em>&ldquo;de bons prop&oacute;sitos, o inferno</em> <em>est&aacute; cheio&rdquo;.</em> Sim, porque me tra&iacute; e tra&iacute; a todos, dizendo, no in&iacute;cio, que n&atilde;o iria falar de mim mesmo, por&eacute;m da obra. Acontece que a obra &eacute; o homem. Eu sou a minha obra, jamais um se desligar&aacute; do outro. Se isto acontecer, ambos s&atilde;o falsos ou hip&oacute;critas e &eacute; isto que eu n&atilde;o quis nem quero ser.</div> <div>________________</div> <div>&nbsp;* <em>Depoimento de Francisco Miguel de Moura, lido no lan&ccedil;amento de <strong>O Menino quase Perdido</strong>, na APL, em 17-9-2011 (s&aacute;bado pela manh&atilde;).</em></div> <div style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt">&nbsp;</div>
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