Vilebaldo Rocha: um Ícaro Moderno
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<div style="text-align: center; margin: 0cm 0cm 10pt" align="center"> </div>
<div style="text-align: center; margin: 0cm 0cm 10pt" align="center"><strong> </strong></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Em 2006, por ocasião do lançamento do 2º livro do poeta Vilebaldo Rocha – <strong>O Caçador de Passarinhos </strong>(2006), lembro-me de que ouvi comentários de que lhe tinham sugerido trocar o título da obra, por ser considerado “politicamente incorreto”, uma vez que a prática de caçar (matar) passarinhos, nos dias de hoje, é extremamente antiecológica. Ouvi o comentário e não me posicionei. Mas fiquei a pensar: pelo que eu conheço do cidadão Vilebaldo, ele jamais faria uma apologia à matança de animais silvestres, e que, talvez, o poeta quisesse apenas fazer um resgate da memória cultural da infância de tantos meninos (e meninas) do interior do Brasil que aprendiam com os mais velhos (avós, pais, tios, amigos) a atirar e a preparar armadilhas para prender e matar passarinhos. Essa prática se dava sem nenhum remorso e até povoava os sonhos e as fantasias da meninada que se sentia heroi, quando pegava (ou matava) o seu primeiro passarinho.</span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Mas o poeta Vila, que sabe o que faz, não mudou o título e lançou o livro no dia 7 de janeiro, no <strong><em>Terraço’s Bar</em></strong>, com grande festa para um “bom” público, tendo em vista que as atividades culturais em Picos sempre tiveram plateia seleta. </span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Depois que li o poema homônimo (que dá título à obra), entendi porque Vilebaldo não acatou a sugestão dada. Vi que menino caçador de passarinhos referido na obra não é um exterminador de espécies ameaçadas, nem mesmo um “inofensivo” atirador de baladeira. “...<em>não era certeiro”</em>, “<em>nunca comera um coração de beija-flor</em>” e “<em>sempre voltava com a capanga vazia</em>”. O menino “<em>gostava de caçar passarinho</em>s, / <em>mas os passarinhos eram que o caçavam</em>”. Na realidade, o menino (de Vilebaldo) não é um caçador de pássaros. É um caçador de sonhos. Portanto, o poema (assim como o título do livro) não tem nada de antiecológico. Sosseguem os ambientalistas!</span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">De posse dessa certeza, e após reler <strong>Cacos de Vidros </strong>(s/d), pude perceber que o eu-lírico é o mesmo do poema “<em>O Caçador de Passarinhos</em>”, tendo em vista que o vocábulo “pássaro” e, sobretudo, seu correspondente popular “passarinho” são termos recorrentes nessa obra. Constatei ainda que, o uso desse lexema não é mera repetição. Constitui-se a grande metáfora de toda a obra do poeta picoense. O Pássaro/passarinho simboliza os desejos, os sonhos (voar) de um eu - lírico que, coincidentemente, tem muito a ver com o poeta, a pessoa Vilebaldo Nogueira Rocha.</span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">O eu-poético não somente faz referência a passarinhos, em versos como: “Nos <em>ninhos de passarinhos a beira das estradas</em>” (CV – p. 11), “<em>Um passarinho assustado pousou na varanda do quarto andar</em>” (CV – p. 29) e “<em>Veio leve e mansa feito morte de passarinho</em>” (CV – p. 74), mas, sobretudo, se compara, se define como <strong>pássaro/passarinho/beija-flor</strong>, em versos como: “<em>Meu olhar de passarinho acanhado</em>” (CV – p. 28), “<em>Sou passarinho e moro na gaiola do quarto andar</em>” (CV – p. 29), “<em>Sou beija-flor / que pousa nos teus lábios</em>” (CV – P. 61). No entanto, percebe-se que não se trata de um pássaro livre. É um pássaro engaiolado, prisioneiro, acorrentado (“<em>Prisioneiro de mim mesmo</em>”; “<em>Acorrentado por mim mesmo</em>” CV – p. 52). Percebe-se ainda que o <strong>menino-passarinho</strong>, confessado na 1ª estrofe do poema “<em>Canto de Arribação</em>”, de <strong>Cacos de Vidros</strong> (s/d),</span></div>
<div style="text-align: justify; line-height: normal; text-indent: 42.55pt"><span style="font-size: 12pt">“<em>Quando menino plantei asas em meu peito,</em></span></div>
<div style="text-align: justify; line-height: normal; text-indent: 42.55pt"><em><span style="font-size: 12pt">correr de encontro ao vento, verso, vela, mar, amor.</span></em></div>
<div style="text-align: justify; line-height: normal; text-indent: 42.55pt"><em><span style="font-size: 12pt">Mas o medo fez seu ninho na mente e no coração.</span></em></div>
<div style="line-height: normal; text-indent: 42.55pt"><em><span style="font-size: 12pt">Virei ave de gaiola. Assum-preto-sofredor</span></em><span style="font-size: 12pt">.”<br />
(CV – p. 26),</span></div>
<div style="text-align: justify; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">é o mesmo <strong>menino-caçador de passarinhos</strong>, que se transformou em poeta (<em>Assum-preto-sofredor</em>), cujo sonho não é mais apenas voar; é ser alegre, ser livre. A ideia de tristeza, solidão,</span></div>
<div style="text-align: justify; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt"> aprisionamento é representada pela imagem do pássaro triste (“<em>triste como passarinho morto</em>”. OCP – p. 15) e resumida magistralmente com a criação do vocábulo composto “<em>Assum-preto-sofredor” – </em>síntese de todas as dores e sofrimentos, vividos pelo eu-lírico<em>.</em> </span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Enquanto em <strong>Cacos de Vidros </strong>(s/d) há uma perceptível recorrência dos termos pássaro/passarinho, em <strong>O Caçador</strong><strong> de Passarinhos </strong>(2006) (afora o poema homônimo, no qual esses vocábulos aparecem 7 (sete) vezes e o verso “<em>que gostava de caçar passarinho</em>” é repetido três), o lexema aparece uma única vez (no poema de abertura “<em>Musgo</em>”), quando o eu-lírico de define como “<em>pássaro alimentando / a cria com a própria carne</em>” (OCP – p.13). No entanto, outra palavra ganha destaque e passa a ser o tema central da obra:<strong> sonho</strong>. O eu-lírico, que em <strong>Cacos de Vidros</strong> (s/d) tinha o desejo de ser pássaro, de voar, chega a confessar-se um sonhador (“<em>Eu sou o que sonha noite e dia</em>” (OCP –p. 47), mas, em outros momentos, se revela descrente (”<em>Ah! Se houvesse ainda quem colocasse / Sonhos embaixo de minha rede!!!</em>” OCP – p. 22)) e deixa transparecer uma dúvida, uma angústia, um medo: “<em>Sonhei que pobre não podia entrar no céu</em>” (OCP –p. 30). O eu-poético, que teve seus sonhos embalados pelo rio Guaribas (“<em>embalou meus sonhos</em>” OCP – p. 16), se refere “<em>Ao sonho de cada pessoa que parte</em>” (OCP – p. 54) e se pergunta desiludido, angustiado: “<em>Quem espalhou meus sonhos pelo chão?</em>” (OCP – p. 30). Talvez por isso, o menino que dizia “<em>gostar de caçar passarinhos</em>”, que tinha a “Ilusão de<em> ser feliz</em>”, de “<em>não sofrer</em>” (OCP – p. 50), no fundo, no fundo, queria era ser um deles. Logo, foi caçado facilmente.</span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Essa leitura contínua comprova que o eu-poético de <strong>Cacos de Vidros</strong> (s/d), que se revela pássaro e cujo sonho é voar, tem continuidade em <strong>O Caçador</strong><strong> de passarinhos </strong>(2006). No entanto, percebe-se que o <strong>homem-pássaro</strong> não é mais um sonhador (“<em>O poeta já não é tão romântico e sonhador</em>” CV – p. 12), que o seu sonho não é mais apenas ter asas e voar. O sonho do Ícaro, que coincidentemente é o mesmo do poeta Vilebaldo Rocha, se configura como um desejo de ver o renascimento do rio “<em>sem gravata de cimento</em>” (CV – p. 11), a serra novamente florida de pau-d’arcos, a praça com oiticicas, as acácias com cabelos grandes, o mundo sem fome, sem guerra; o fim de todas as mazelas sociais. Enfim, que tem esperança de dias melhores, marcados pela igualdade social e pela liberdade. Esse é o sonho do Ícaro moderno.</span></div>
<div style="text-align: justify; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Assim sendo, os livros de Vilebaldo não podem ser lidos separadamente. Pois, uma leitura contínua da obra (ou melhor: uma leitura invertida) torna perceptível a repetição das palavras <strong>pássaro/passarinho</strong> e <strong>sonho</strong> e de suas imagens, bem como põe em evidência que a recorrência destes termos representa, consciente ou inconscientemente, os desejos de voar, ser livre. Resumindo: simbolizam um sonho de liberdade. Conclui-se, portanto, que, para uma melhor compreensão, a obra poética vilebaldina deve ser lida conjuntamente, para que possam ser percebidas essas recorrências, suas relações e simbologias. Outra recorrência temática da obra de Vilebaldo é o vocábulo “<strong>menino</strong>”. Mas essa já é outra história.</span></div>
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<div style="text-align: center; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt" align="center"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Bocaina-PI, 08 de outubro de 2011.</span></div>
<div style="text-align: center; text-indent: 42.55pt; margin: 0cm 0cm 10pt" align="center"><span style="line-height: 115%; font-size: 12pt">Deolinda Marques</span></div>